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10 outubro, 2008

http://www.administradores.com.br/artigos/os_cegos_o_elefante_e_as_teorias_da_administracao/25066/

O físico alemão Andreas Schleicher, responsável pela aplicação da prova do Pisa – programa internacional de aferição de estudantes – que compara o nível de conhecimento de estudantes de 57 países, afirmou, em entrevista à revista Veja (Edição 2072, de 06/08/2008) que os estudantes brasileiros:

"demonstram certa habilidade para decorar a matéria, mas se paralisam quando precisam estabelecer qualquer relação entre o que aprenderam na sala de aula e o mundo real. Esse é um diagnóstico grave. Em um momento em que se valoriza a capacidade de análise e síntese, os brasileiros são ensinados na escola a reproduzir conteúdos quilométricos sem muita utilidade prática".


Poucas vezes me deparei com uma afirmação tão precisa sobre o ensino no Brasil. Ainda que Schleicher estivesse se referindo à educação de forma geral, sua declaração aplica-se perfeitamente ao ensino superior, que deveria formar profissionais que não apenas reconheçam as principais teorias da sua área de formação, mas que sejam capazes de utilizar os conhecimentos teóricos para solucionar problemas práticos. No entanto, muitos estudantes concluem o curso superior sem que tenham desenvolvido a competência necessária para assumir plenamente suas atribuições profissionais.

Uma matéria do jornal Folha de São Paulo (04/02/2008) aponta que um em cada dez trabalhadores urbanos com diploma universitário estava em áreas com baixo perfil de escolaridade em 2006, segundo o Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE. A mesma reportagem revela que são quase 700 mil graduados em ocupações como vendedor em loja, recepcionista ou operador de telemarketing. De acordo com os Correios, um em cada 20 carteiros tem superior completo. Na Guarda Municipal do Rio de Janeiro, 480 dos 5.563 guardas têm diploma universitário e 32 têm pós-graduação. E na Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro), entre os 12.377 garis, há 37 com nível superior.

Esses dados podem ser interpretados de duas formas: de um lado, essa situação pode ser uma conseqüência da restrição do mercado de trabalho para as profissões de nível superior, haja vista que as oportunidades não crescem na mesma velocidade que o número de alunos que se formam. Mas por outro, é possível que essa distorção seja resultado da baixa qualidade dos cursos universitários. O diploma superior já não é mais garantia de qualificação profissional.

Isso vale também para os cursos de administração. É uma enorme dificuldade fazer com que os alunos associem o conhecimento teórico ao mundo real. Às vezes as teorias são vistas como uma divagação abstrata, quase metafísica, sem relação com a realidade. Outras vezes, ao contrário, acabam sendo vistas como oráculos, com respostas infalíveis para todas as dúvidas. E quando se deparam com duas teorias que oferecem explicações diferentes para um mesmo fato, os alunos desejam uma resposta simplista: qual delas está certa?

Costumo, então, contar a antiga fábula dos cegos e do elefante. Dizem que numa pequena cidade do interior da Índia moravam alguns cegos que costumavam reunir-se para conversar. Num desses encontros, surgiu uma acalorada discussão sobre como seria o elefante. Como nenhum deles conhecia esse animal, não chegaram a nenhuma conclusão.

Um tempo depois, veio a oportunidade para, finalmente, resolverem a questão: passaria pela cidade um circo, que tinha, entre suas atrações, um elefante. Assim que o circo chegou, para lá se dirigiram os cegos. Cada um achegou-se ao elefante e começou a apalpá-lo.

- Ora vejam, – disse um deles, tocando a orelha do paquiderme – nunca pensei que o elefante fosse parecido com um enorme leque!

- É incrível – comentou o seguinte, segurando a trompa – ele é como uma mangueira, só que mais grossa!

- Não é nada disso, – retrucou o terceiro, apalpando a barriga do elefante – ele parece com o casco de um barco, mas é mais macio!

- Vocês estão errados, – falou outro, agarrando a perna do animal – o elefante é como um tronco de uma árvore!

E assim cada um foi expressando a própria percepção de como seria o elefante, e a discussão continuou ainda mais inflamada do que antes, porque agora todos tinham certeza de que estavam falando a verdade.

É algo parecido o que acontece com as teorias organizacionais. Elas apresentam uma explicação para um objeto de estudo, a partir de um determinado referencial metodológico, mas não significam uma verdade absoluta. Ocorre que a realidade é muito mais complexa do que a nossa capacidade de investigá-la. Não se consegue examinar um fenômeno na totalidade de suas dimensões e considerando todas as variáveis que podem, de alguma forma, interferir sobre ele. Por isso, as conclusões sempre são limitadas. Infelizmente, a realidade costuma ser refratária a submeter-se docilmente aos nossos limitados modelos teóricos. Ou, como disse o biólogo britânico Thomas Huxley, é trágico quando os feios fatos matam uma bonita teoria.

Esse complexo e dinâmico conjunto de estudos, pesquisas e teorias, com seus argumentos e suas limitações, compõe o fundamento teórico que orienta as ações dos administradores. No entanto, para utilizar adequadamente os recursos desse conhecimento teórico acumulado, é necessário mais do que lembrar o nome de alguns autores e decorar meia dúzia de conceitos. É preciso compreender o contexto em que as idéias administrativas se desenvolveram histórica, cultural e socialmente; ter uma postura crítica para identificar e contestar pressuposições; e ser capaz de relacionar as condições da situação real com os pressupostos teóricos.

As teorias serão tanto mais úteis quanto maior for a capacidade de relacionar seus enunciados com o problema concreto que desejamos solucionar. Por isso, é missão dos professores, e também das universidades, manter sempre abertas as pontes entre os conhecimentos teóricos e o mundo real.


Leonardo José Andriolo

Sou natural de Caxias do Sul, RS.

Formado em Administração e Economia, com Mestrado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Desenvolvo atividades profissionais no Tribunal de Contas do Estado-RS, como Auditor Público Externo.

Sou professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) e da Escola Superior de Gestão e Controle Francisco Juruena (mantida pelo Tribunal de Contas-RS).

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